Dolina, é nome de mulher

Roberto Costa Farias
11 min de leitura

Desde os abalos de terra em 2018, a população de Maceió tem vivenciado, um tempo de incertezas, medos, confusão de pensamentos, conflitos de interesses e desinformações gritantes, além é óbvio de uma ciranda midiática de alcance planetário. É uma chaga aberta no peito e na mente de cada alagoano.

Dolina não é nome de mulher, não ainda, não que eu saiba. Em geologia, a ciência que estuda a terra, sua composição e seus fenômenos; são as dolinas; extensas depressões que aparecem no solo quando ocorre a dissolução das rochas que compõe os setores ou camadas posicionados abaixo da superfície terrestre. O diâmetro (largura, geralmente circular) e a profundidade (altura) de uma dolina pode variar muito, devido a variados fatores. Em oposição a colina, monte. Dolina é depressão, cratera.

O fenômeno sozinho de tremor do solo acontecido há aproximadamente seis anos trouxe a baila que a mineração do sal gema (Maceió, Paripueira e Barra de Santa Antônio estão assentadas sobre imensas camadas deste valioso componente do subsolo profundo), cujos subprodutos fazem entre outros o cloro, a soda e o PVC (tipo de plástico com enorme apelo fabril e boa aceitação na indústria e na construção civil).

Desde a implantação da empresa, se cogitou esse problema da subsidência e data dos anos 1970 do século XX. A exploração parece ter levado o espaço de quatro décadas para alcançar o ponto crítico. Uma desarticulação sem precedentes no solo e a possibilidade de um desastre ambiental em área urbana numa escala enorme.

Fato que não pode passar desapercebido dos urbaNAUTAS. Experimentamos lançar alguns parâmetros que não temos ainda observado ser tratados por colegas da arquitetura e do Urbanismo neste nosso universo citadino. Da urbe que aniversaria hoje.

Sobre o território extenso de cinco bairros onde as minas estão situadas e sobre o corpo hídrico que nomeia nosso Estado Das Alagoas.

É alarmante? É.
É indignante? É.
É desafiante? É.

É ultra desafiante principalmente por não encontrar precedentes. Seja em vivências, relatos, literatura, ficção ou casos similares.

Entretanto queremos fazer o exercício de acreditar que a estratégia das mitigações esteja a de vento em popa a pleno pano, a pleno vapor. Apesar da subsidência quantificada e mensurada. Nada desmoronou, exceto os sonhos e as maneiras das vidas nas localidades, cujo montante é significativo. Bastante significativo pelos números apresentados de mais de 60.000 famílias relocadas e outras tantas que ainda sequer o foram. Número maior que a população de muitos municípios do Brasil. Maceió é capital e está aniversariando neste 5 de dezembro de 2023.

Que informações são as que têm dado as cartas neste imenso tabuleiro ?

Qual o próximo lance? Qual o novo passo?

Não se pretende minimizar a situação com desvios de atenção, ou longos arrudeios. É tanto a boa fé como o míster profissional que nos conduz a pensarmos solucionar todas as equações que se interpõem à nossa frente. O que pensar? Pensar livre.

Há uma cortina de fumaça? Provavelmente. Há uma cortina ao fundo? Tranquilamente.

Há blindagens? Possivelmente.

Nossa visão das ideias, estudos e soluções nos empurra para obviamente, dentro do nosso recorte virtual de pequeno alcance, pensar no que fazer, como, aonde e quando. O custo não poderá jamais, ser um fator limitante. Empecilho maior é a brutal realidade imposta.

Onde vislumbraremos o que sem precedentes pode acontecer? Ou já aconteceu e ainda não se tem total conhecimento?

Não pretendemos minimizar ou denunciar, não é essa a ideia que nos guia nesta senda de reparar e reposicionar. E como aqui é um ensaio, seguiremos em busca de encontrar caminhos capazes de promover a adequação que o problema gigantesco e inédito pode receber. Uma vez estabilizada as minas, o uso do solo poderá voltar a existir?

Pensemos juntos, estimados leitores, decerto que primariamente a abordagem inicial da solução praticada foi subestimada e erroneamente colocou distintos patamares na mesma régua. Depois, a condução propriamente dita pareceu ter sofrido com a questão do distanciamento provocado pela pandemia do covid – 19. E houve também situações não previstas justamente pelas particularidades da cidade e da sua população, pela morfologia do relevo, pelo traçado urbano e principalmente pela forma que as pessoas se comportam coletivamente diante do inusitado, do inesperado, do incerto e do desesperador.

Quem pode nesse adiantado da hora dar garantias? Quem está 100% ciente ou tem certezas plenas? Ninguém! Parodiando o poeta; eu sou ninguém. Nós somos ninguém. E agora?

Se no primeiro momento a retirada dos moradores se desse montando um novo desenho de bairro em outras áreas de expansão da cidade, onde a vizinhança, a memória e sentimentos de pertencimento fossem respeitados, e mantidos casa por casa, morada por morada, comércio por comércio, serviço por serviço, rua por rua, quadra por quadra, bairro por bairro. Não foi assim.

O pânico cuja semeadura foi, boato a boato, minando as resistências. Depois das desocupações vieram os saques. Clientes fiéis se foram.

O mercado paralelo de materiais usados, nem tão antigos assim travestidos com a grife “demolição” grassou como nunca antes.

De prima apareceu o disfarçado interesse político que morde e assopra. De sobra que só sobraram restos. Restos de lembranças em ruínas, trituradas pelo capital. As coisas foram e têm sido bem loucas nessa freguesia. As memórias e as afetividades não entrarão no rol do que é computado. Que nos resta se nossa voz vai sendo sobrepujada por narrativas técnicas. Parece acolhimento e é despejo. É despejo, mas parece negócio. É negócio mas não parece. Tudo carece e tudo fenece, todo o atingido esmorece.

Embora não, vai-te embora sim.

Observação complementar sobre o modus operandi

O poder financeiro entre mandos e desmandos marcam a trajetória de quem nunca se deixou fiscalizar. Até premiação anual de matérias sobre o meio ambiente contemplou jornalistas ao invés de premiar protagonistas. Lucro, lucro, lucro!

Em 2018 a mineração fez de tudo para não ter culpa. Ao final foi instada a assumir. Assumiu as rédeas da situação, pagou quem quis, quando quis e na ordem que quis. As tratativas foram sempre sem o menor senso de equilíbrio, a tônica sempre predominou de modo asfixiante. A empresa deve ter como meta usar o território da superfície, pleno de infraestrutura e muito bem localizado para a finalidade imobiliária,pois suga o subsolo, para ter mais ganhos e sempre. Ora , poderemos entender que os moradores antigos devam ter também o seu quinhão. Ou poder de decisão sobre suas posses de outrora.

Nos processos de desapropriação e compra dos imóveis de um lado pareceu sempre que estava pagando mais que o mercado, enquanto na outra ponta inflacionou o novo imóvel destino. Ninguém conseguiu comprar o outro imóvel no lugar que quis ou pôde escolher e sempre foi necessário acrescentar mais dinheiro (até da venda de outros bens).

Solapado foi o núcleo de vizinhança solidamente vivenciado pelos últimos 60, 40 anos totalmente desprezado nas contas e ações e os ditos danos morais foram custeados em ínfimos valores, moedinhas de troco, simplório custo, tratorando como bem quis o que a letra da lei preconiza.

Já não estamos certo se haverá dolinas. Crateras. Afundamento em série, colapso e subsidência total.

Queremos acreditar que essa nova onda de boatos foi intencionalmente usada para tornar o pânico como alavanca para a retirada dessa população que ainda resistia.

Houveram nessa semana solicitações para que a via de Bebedouro (obstruída com portões e tudo mais) fosse reaberta. A dona do território não vai aceitar, enquanto isso, realiza as modificações topográficas na encosta que vislumbra o pôr do sol mais belo.

Nenhuma prefeitura conseguiu isso.

Imaginemos um bairro planejado, com alto valor agregado, casas, edifícios comerciais e de serviços, apartamentos, shoppings, clínicas, parques, entre outros equipamentos urbanos. Mobiliários urbanos com interface dos aplicativos, TI e tudo que o futuro tecnológico pode oferecer.

Dois teleféricos ligando a duas marinas na Laguna para reduzir jornadas de trabalho e tirar o stress com lazer. Heliportos, pistas de ski e piscinas com ondas para o Surf. Campos de golf, entre outros…

Quanto a Laguna, essa sofrerá muito. A vida que ela sustenta, mais ainda. Será aniquilada. Continuará como espelho d’água de incomparável beleza. Salgado pela salmoura da salgema. Mais morta que o Mar Morto. A cunha salina a atingir os vales, do Paraíba e do Mundaú.

Tudo lentamente, procrastinadamente, larapiamente, planejadamente e eficaz.

Tudo a olhos vistos, debaixo de nossos narizes, em nossos emprenhados ouvidos.
Na boca, o mais amargo dos gostos.

“O homem é o Lobo do homem, o homem cordeiro se fez caçador ( Alceu Valença)”.

Parabéns Maceió pelos seus 208 anos. Rogo a Deus que um presente de grego não tenha sido plantado em suas entranhas.

Texto de autoria de Roberto C. Farias, publicado na Coluna UrbaNauta do portal Notícias do Centro – A VOZ DO BAIRRO ONDE MACEIÓ NASCEU