Em parceria com artesãs do Jequitinhonha, designer cria peças que misturam arte sacra e tradições católicas de Minas Gerais
Embora se saiba que a configuração do Brasil como o conhecemos tenha grande influência do catolicismo, no estado de Minas Gerais, esta característica parece ainda mais forte, muito provavelmente, por sua capacidade de preservar e monumentos históricos que remontam à fé. Da mesma forma, em diversas regiões do estado parte da produção artística se relaciona fortemente com os símbolos religiosos, tendo obras e até templos inteiros criados por artistas como o Aleijadinho, principal expoente brasileiro da Arte Barroca, reconhecida pelo seu requinte, dramaticidade e riqueza de detalhes.
Foi neste cenário, por volta de 2022, em uma de suas viagens à cidade de Tiradentes, que a designer Maria Fernanda Paes de Barros, fundadora da Yankatu, começou a pensar nos primeiros protótipos do que viria se tornar a Coleção Mantos, que reúne vasos que homenageiam o movimento dos mantos presentes em imagens e igrejas católicas históricas da região. “Eu, que já tinha ido algumas vezes a Tiradentes, sempre saia pela cidade fotografando tudo. E uma das coisas que mais me chamaram a atenção, além de todo o conjunto arquitetônico tombado pelo IPHAN, foram as imagens religiosas que, sempre cheias de detalhes, transmitem uma ideia de movimento”, revela a designer.
Mesmo tendo trabalhado com artesãos da cidade em diversos outros projetos, a ideia de testar os efeitos deste movimento na cerâmica a levou até o Vale do Jequitinhonha, região mais ao norte de Minas reconhecido por ser um polo artesanal com centenas de famílias que vivem do há mais seis geração da modelagem do barro. A escolhida para desenvolver as peças foi a sua parceira antiga, a Mestre artesã Deuzani Gomes dos Santos, que além de ceramista é conhecida com a poetisa do Vale por conta de seu famoso caderno de poesias que, em 2018, com a ajuda de Maria Fernanda e do fotógrafo Marcelo Oséas, foi transformado em livro.
“O interessante de trabalhar com a Maria Fernanda é que ela sempre propõe que a gente olhe para o nosso entorno. Aqui na região, as pessoas são muito devotas dos santos católicos, mas até então, eu nunca tinha olhado para as roupas deles como uma possibilidade de inspiração. Para chegar neste resultado foram alguns meses de testes, porque o barro nem sempre aceita o nosso pensamento. Às vezes, você pensa que vai ficar de um jeito, mas fica de outro. Por isso, eu fui modelando várias peças até entender como o barro iria se comportar”, afirma Deuzani que também conta com a ajuda de suas duas filhas, Marcilene e Gil.
Fotos: Lucas Rosin
Dentre as principais diferenças do trabalho tradicional já feito por elas – como flores, bonecas, moringas e outras dezenas de peças – os vasos ganharam uma coloração um pouco mais cintilante. Extraindo a partir do próprio barro, elas conseguem produzir pigmentos de diferentes tonalidades a partir do pó e dos cristais que afloram de toda a terra do Vale. “Ela (a designer) queria que as peças tivessem um certo brilho, o que nos estimulou a pesquisar um pouco mais sobre como produzir este efeito no barro. Depois de algum tempo, decidimos aumentar a concentração de uma areia que nós chamamos aqui de ‘óca’, e aí conseguimos chegar a este resultado final”, completa a artesã.
Os vasos da Coleção Mantos têm edição limitada e são encontrados com medidas diversas.