Uma pessoa e seus dois sinônimos: competência e amor

Fábio Gomides
12 min de leitura

 ENTREVISTA: JÚNIA NOCCHI

Nada aconteceu da noite para o dia. Até se tornar uma das profissionais mais queridas e respeitadas do segmento de arquitetura e design de interiores em Minas Gerais, Júnia Nocchi trilhou um percurso que passa pela moda, uma de suas paixões, pelo curso de decoração que, na época, era considerado “espera marido” e por múltiplas experiências no setor. Hoje, a designer e relações públicas é um dos nomes por trás do sucesso de marcas como CASACOR Minas, Bel Lar, Líder, Prima Línea, Franccino, entre várias outras. Com um olhar experiente, ela conta um pouco da sua história e analisa o momento atual, já pensando no que virá daqui por diante.

O que te levou a optar pelo curso de decoração?

Me formei em Decoração de Interiores na FUMA (Fundação Mineira de arte) em 1982. Na época, o curso era taxado como “espera marido”, não era visto como uma profissão. Ao mesmo tempo, muita gente me incentivou a fazê-lo, pois eu já decorava a casa dos vizinhos, das primas, já tinha um olhar para os detalhes, seja uma moldura diferente ou a forma de colocar uma roupa de cama. De repente, o que antes era para os amigos virou algo mais sério. No segundo ano do curso, trabalhando com uma decoradora, ela me deu a chance de fazer o projeto de interiores de um apartamento modelo, para uma imobiliária e foi viajar. A partir daí as coisas foram acontecendo.

Seu envolvimento com o setor foi imediato, então?

Acho que foi uma sequência de acontecimentos. Quando eu estava desenvolvendo o projeto para o tal apartamento modelo, fui visitar a Know How, uma loja de móveis com design sueco de pronta entrega, semelhante ao que é a Tok Stok hoje. A Tânia Gontijo, que hoje é proprietária da São Romão, que era gerente de lá na época, e me chamou para trabalhar com eles. Essa oportunidade foi uma ponte para conhecer muitos profissionais da área da arquitetura, o que me levou, posteriormente, a trabalhar em outras marcas e lojas do segmento. Uma delas foi a TerraTile, do João Grillo. Em 1985, ele e o Ernesto Lolato (então os diretores da CASACOR Minas), me convidaram para integrar a equipe da mostra, na qual continuo até hoje. Com o passar dos anos, fui adquirindo cada vez mais conhecimento sobre este mercado, e por conta dos relacionamentos com os lojistas e profissionais, passei a atuar como relações públicas de várias marcas, aproximando fornecedores, arquitetos, designers, lojistas e consumidores.

Foi a partir daí que você começou a investir mais no trabalho de relações públicas para o setor?

Foi um caminho muito espontâneo. Nunca parei de fazer decoração, mas os relacionamentos se ampliaram muito com o meu trabalho na CASACOR Minas. Lá, eu vi que tinha outras formas de atuar. Eu não larguei o que fazia antes, mas vi que tinha outras atividades que eu poderia agregar a isso. Foi dentro da Casa Cor que eu descobri o lado B, que era o de conciliar essa consultoria, algo que eu já desenvolvia lá dentro, fazendo a ponte entre os profissionais e os fornecedores. O trabalho que me alavancou nesse sentido foi o reposicionamento da Líder quando ela deixa de assinar como Líder Interiores e reprograma toda a identidade da empresa. Daí em diante não parei mais.

Com a experiência adquirida na CASACOR Minas nos últimos 20 anos, o que você percebe de mudanças significativas no mercado ao longo desse tempo?

Acredito que uma das principais mudanças no mercado foi a aproximação dos setores de arquitetura e design de interiores. Eu percebo que, há alguns anos, existia uma espécie de barreira entre eles, mas que com o passar do tempo e graças à atuação de diversos profissionais que, assim como eu, entendiam a importância da complementação destes dois segmentos, culminamos em um período de sinergia do mercado. Outra mudança muito positiva e extremamente contemporânea é o incessante compromisso com a sustentabilidade e a preocupação com o meio ambiente, que são constantes e muito rígidos. Antigamente, muitos materiais utilizados em montagens e obras eram descartados e desperdiçados, gerando quantidades enorme de lixo. Hoje, os profissionais e as empresas fornecedoras/prestadoras de serviços têm uma consciência muito maior. Um bom exemplo do que vem acontecendo é que todo o resíduo oriundo da CASACOR Minas é reaproveitado, sendo destinado a projetos como o Arquitetura na Periferia, voltado para capacitar mulheres que vivem nas comunidades. Além disso, o mercado tem exigido muito dos profissionais nos últimos dias, cobrando que eles sejam cada vez mais criativos, antenados e prontos para demonstrar sua identidade.

Acredito que uma das principais mudanças no mercado foi a aproximação dos setores de arquitetura e design de interiores. Eu percebo que, há alguns anos, existia uma espécie de barreira entre eles…

Como você avalia o impacto da pandemia no mercado da arquitetura e decoração?

A pandemia atinge o Brasil justamente no momento em que a economia do nosso setor se preparava para uma retomada. Obviamente ela trouxe, além da disseminação da doença e de suas consequências, uma série de impactos negativos. Mas com eles também vieram muitas reflexões. Estamos nos reinventando enquanto profissionais e também estamos diante de uma oportunidade de experienciarmos a nossa casa como um verdadeiro refúgio. Muitas pessoas estão aproveitando este momento para investir em suas próprias casas, fazendo pequenos ajustes e tornando-as mais agradáveis para a permanência neste período de isolamento.

E como imagina o mercado após a pandemia?

Já estamos trabalhando na criação de uma série de soluções para conseguirmos promover algumas ações de forma segura, assim que os órgãos competentes liberarem a retomada das atividades. O meu formato de trabalho não chega a sofrer grandes impactos porque de uns tempos para cá já venho priorizando a realização de pequenos encontros em vez de grandes eventos. Quando consigo reunir uma quantidade mínima de lojistas e profissionais das áreas de arquitetura, design de interiores e paisagismo, o encontro costuma ser muito mais produtivo, uma vez que as pessoas presentes possuem a oportunidade de interagir com todos os participantes. Acredito que as marcas irão repensar seus formatos de eventos, readequando-os à realidade atual. O que percebo é que logo que as atividades forem retomadas, seremos tomados por um certo otimismo. Já estou sendo procurada para desenvolver projetos e traçar estratégias para quando tudo voltar ao normal.

O que você enxerga de mudanças imediatas na maneira de morar das pessoas após o COVID 19?

Com a experiência de uma pandemia que impôs uma restrição social jamais vista, o ficar em casa de forma intensiva nos fazer prestar mais atenção ao lugar onde moramos. O que muda, agora, é essa relação que temos com a casa. Até bem pouco tempo, ela era pensada para eventualmente receber os amigos. Hoje é diferente, a casa é o nosso cotidiano absoluto, então, os defeitos afloram. O que todo mundo quer é viver em um lugar leve, agradável, que te acarinhe. A máxima de dizer “cheguei!” quando voltamos de uma longa viagem agora é todo dia, né? Então, a casa tem que abraçar. Agora, é nela que você trabalha, que você cria. Por isso eu acho que o lar virou o templo sagrado de cada um. Tem que ser prazeroso. Com o fato de todo mundo ficar mais em casa, o nosso olhar e as nossas necessidades vão mudando. Se não era confortável trabalhar em casa, o que você poderia fazer somente às vezes, está na hora de adequar os espaços, de tornar a cozinha mais prática, de dar novos usos aos ambientes. A rotina da gente mudou e assim, mudou a rotina da casa. Acho que nunca mais vai ser como era antes.

Acredito que as marcas irão repensar seus formatos de eventos, readequando-os à realidade atual

Depois de 30 anos de mercado, o que ainda te motiva a continuar trabalhando no setor?

O que me motiva cada vez mais é o processo criativo. Preciso fazer uma imersão nesse processo para criar ações para sensibilizar lojistas e marcas a conhecerem e valorizarem os nossos arquitetos, designers de interiores e de produto, estreitando essas relações. A minha função é promover interações e sou muito feliz fazendo isso. Pensar em medidas para tornar uma loja ou uma fábrica mais atraente não apenas para os profissionais da área, mas também para os clientes é um processo muito rico que me permite conhecer novas pessoas, novos profissionais todos os dias. Sinto que contribuo para esse mercado que faz parte da minha vida há tantos anos e que me acolheu tão bem.

Que conselhos você daria para os que estão ingressando agora no mercado?

Eu acho que nesse momento atual a gente nunca mais vai ser uma coisa só na vida. Afinal, todos temos várias aptidões. Então, eu aconselho aos profissionais a pensar em trabalhar essas aptidões complementares, pois elas te permitem dançar conforme a música, ou de acordo com o vento que está soprando. Também adoro moda, já tive uma confecção e até hoje penso em voltar pra moda de alguma forma. A gente nunca é uma coisa só e tem que deixar tudo nas gavetinhas e ir puxando quando for preciso. Acho que é preciso ter um foco, mas a gente não pode ser uma coisa só. Todo mundo tem mais de um talento: tem hora que uma coisa está no topo, outra desce e assim vamos. É importante também, dentro disso tudo, fazer o que dá prazer e aprender a aproveitar as oportunidades.