Você tem sede de que?

Fábio Gomides
7 min de leitura

Há quem sustente que o momento atual vai ampliar a necessidade das pessoas de um contato mais íntimo com a arte. Pode até ser. O que se sabe até agora é que, no campo das artes plásticas, em que a proximidade física sempre foi fundamental, as mídias sociais nunca estiveram tão fortes.

O mundo digital já descobriu a arte há um bom tempo e isso não é novidade. O Instagram que o diga. Nele, é possível conhecer obras que nunca seriam tão divulgadas, não fossem replicadas incessantemente por pessoas que viram, gostaram e compartilharam. Simples assim. Pois agora, é a arte que está palmilhando esse caminho, criando inúmeros atalhos para reforçar sua presença em um mundo que, daqui para frente, já anuncia que será bem diferente do que conhecemos até então. A boa nova é que, apesar de crises econômicas sempre deixarem artistas e galerias de arte no finzinho da fila de prioridades, há quem veja que essa história também está prestes a ser alterada.

Murilo Castro, colecionador de arte e proprietário da galeria Murilo Castro

Um desses entusiastas é Murilo Castro, colecionador de arte há mais de três décadas e proprietário de uma galeria que leva seu nome, em Belo Horizonte. Castro vê a arte como algo fundamental para o ser humano, com um registro ancestral, presente desde o começo da nossa história. E por isso mesmo, ele acredita que, a partir de agora, a obra de arte deve crescer de importância. “Nesse momento, o mercado como um todo está sofrendo, mas a necessidade de se conviver mais com a obra de arte deve se intensificar”, aposta. Para o galerista, é em tempos de ameaça global como o atual, com todas as incertezas e os percalços que o mundo todo tem enfrentado, que a arte passa a ser quase uma necessidade vital.

 

Quanto à plataforma digital, explorada há algum tempo por museus e galerias, tudo aponta para um novo status: uma ferramenta que, agora, passa a ser imprescindível no mercado das artes plásticas. Afinal, as agendas de vernissages e exposições físicas devem ficar comprometidas ainda por algum tempo e essa tem sido a saída para continuar seguindo em frente.

Para alguns, o digital não é exatamente novidade. É o caso da galeria paulista Zipper, que contabiliza 87 mil seguidores no Instagram. “A quarentena demonstrou que o caminho que escolhemos desde a fundação da Zipper, em 2010, foi acertado. Sempre buscamos investir na presença digital da galeria e de nossos artistas. Hoje, somos a galeria brasileira com maior número de seguidores no Instagram, uma posição que construímos ao longo do tempo. Desde 2018, investimos na produção de Tour Virtuais 3D de todas as nossas exposições. Não podemos nos limitar apenas às visitas físicas na Zipper, temos que expandir as fronteiras”, explica Lucas Cimino, sócio-diretor da Zipper Galeria.

 

Enquanto as portas da Zipper ainda estão fechadas, eles aproveitam para fazer melhorias no espaço físico, que tem projeto arquitetônico assinado por Marcelo Rosenbaum e que foi, justamente, pensado para criar um ambiente acolhedor que se aproximasse de seu público.

 

Pois esse acolhimento, que só é possível presencialmente, é considerado fundamental para Flávia Albuquerque que comanda, junto com Lucas Albuquerque, a galeria Celma Albuquerque, veterana em Belo Horizonte e agora com uma filial em Brasília, inaugurada pouco antes da pandemia do Covid 19 chegar ao Brasil e virar tudo de cabeça para baixo.

O certo é que, enquanto o momento de convívio social não chega, as galerias estão empenhadas em acessar seus públicos. Na Galeria Murilo Castro, por exemplo, uma das providências foi criar novas abas no site. Entre elas, uma direcionada à venda, com todo o acervo da galeria e a atraente oferta da compra, em até 12 vezes, no cartão. “Essa medida tem impulsionado uma decisão rápida e mais eficiente para quem quer adquirir uma obra”, comenta Castro.

 

“Pra gente foi um susto. Estávamos no início da exposição de Cláudia Jaguaribe e Mariannita Luzzati, que marcou a inauguração da galeria em Brasília e não tivemos outra opção senão deixar as portas fechadas”, comenta Flávia Albuquerque. Ela conta que, em BH, foi criada uma “equipe pandemia”, com todo mundo trabalhando ativamente as redes sociais, porém de casa. Mesmo assim, a galerista vê com cuidado o aquecimento digital nas artes plásticas. “Ir à uma galeria significa uma experiência ímpar. Você cria uma relação com quem o recebe, com o espaço expositivo, vê livros interessantes na biblioteca, pode conhecer o artista de perto”, enumera e detalha ainda mais: “É na aproximação física que a obra acontece. Uma instalação, por exemplo, no vídeo você pode ter uma ideia, mas presencialmente é quando ela se revela”.

 

Esta visão é compartilhada por Lucas Cimino, que também ressalta as vantagens das ferramentas digitais: “A experiência presencial permite uma melhor apreensão da obra de arte e é insubstituível. Mas ela nunca terá o alcance da experiência digital, que permite que a mesma obra de arte seja vista por uma quantidade impressionante de pessoas”, resume.

Outra aba do site foi destinada a cursos. No momento, estão disponíveis: Arte Moderna Brasileira, Arte Contemporânea Brasileira, Desenvolvendo o Olhar, Negociando Obras de Arte e Como Montar Uma Coleção Inteligente. Este último, um trabalho de quase um ano que resultou em 18 horas de aula. Para ele, Castro desenvolveu um ebook com os 12 erros que o novo colecionador costuma cometer. “Eu cometi oito desses erros, portanto, é quase autobiográfico”, diverte-se Castro.


Se o mundo de alguma forma estacionou frente a pandemia do Coronavírus, o contrário aconteceu com o digital que, bem mais acessado, não parece que irá se arrefecer e sim andar em paralelo a outros processos tradicionais. “Todos precisam ter uma presença virtual mais forte nesse momento. Daqui a algum tempo, quando tudo isso passar, o mundo físico e o virtual estarão convivendo lado a lado, um apoiando o outro”, sustenta Castro.