Dama das paisagens brasileiras

Norma Santos
8 min de leitura
Parque da Juventude em São Paulo/SP

 HISTÓRIA DE SUCESSO

Difícil definir de forma simples, direta e em poucas palavras quem é Rosa Grena Kliass. Personagem contemporânea do paisagismo, autora dos mais importantes projetos e planejamentos coletivos e de quase duzentos layouts corporativos, a dama das paisagens brasileiras como mundialmente é conhecida, chega aos quase 90 anos em pleno talento e protagonista dos mais belos cenários de natureza viva.  Baixinha, mas arretada, falante, mas pensativa e simpática toda a vida, são dela os traçados que dão formas, cores, matizam jardins urbanos e mudam imagens degradadas como o Complexo do Carandiru, em São Paulo.  Convertido a Parque da Juventude e Biblioteca Pública, a ampla área de 240 mil metros quadrados é hoje um lugar de esporte e entretenimentos, permeado pelo paisagismo de Rosa Kliass. Marcado pelo passado obscuro da penitenciária o trabalho está entre os mais relevantes da arquiteta e conquistou o Prêmio da Bienal de Arquitetura de Quito, em 2004.

Acervo Rosa Kliass
Rosa Kliass
Fotos acervo Rosa Kliass

Parque da Juventude, em São Paulo/SP

Nascida em São Roque, cidade do interior paulista, a pioneira do paisagismo no Brasil cresceu e estudou conhecendo como “planta” apenas um edifício feito pelo empreiteiro da casa de seus pais quando ainda era menina. Na época, sequer imaginava que um dia desenhos e projetos arquitetônicos se alinhariam à sua carreira. Mais tarde, ao pensar em universidade, o desejo se dividiu entre arquitetura e a física e como as provas do vestibular caíram na mesma data, escolheu arquitetura. Assim que entrou para Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, o curso conseguiu autonomia da Escola Politécnica e sua grade curricular ganhou a inclusão de planejamento paisagístico. Contudo, somente no último ano, seduzida pelas novas abordagens da paisagem na arquitetura, decidiu pelo paisagismo. Neste ambiente de pouca presença feminina Rosa Kliass consagrou-se internacionalmente   como a mais importante arquiteta das paisagens brasileiras. 

Primeira mulher a receber o “Colar de Ouro”, prêmio do instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, homenagem atribuída, até então por nomes masculinos como Vilanova Artiga e Oscar Niemayer, Rosa Kliass tem toda a vida adulta dedicada ao paisagismo. “Não falo em paisagismo e sim em arquitetura da paisagem” corrige a arquiteta ao comentar sobre a visão equivocada que se tem da profissão, muitas vezes representada por alguém de chapéu e avental, regador na mão, e em contato diário com flores e terra batida. “Paisagismo é uma carreira que concebe espaços vegetados e não apenas plantios” pontua. “Ressalta ainda que o foco do profissional é intervir em áreas externas atuando na modelagem do terreno, nos eixos de circulação,  nas perspectivas  que se conformam de acordo com a determinação das plantas, na forração e  nas árvores entre construções e espaços vazios, além dos pontos de circulação principalmente ao projetar parques de grandes dimensões.

Acervo Rosa Kliass
Museu de Arte Sacra (Feliz Lusitânia) em Belém/PA

Na sequência, Rosa Kliass explica que ao se envolver com projetos urbanos, o paisagista estuda cada zona e, dentro dela, cada rua; planeja a implantação de vegetação linear nas vias de tráfego, estuda e configura quando possível as dimensões das calçadas, as entradas dos lotes, os muros e as interferências da infraestrutura urbana. Enfatiza que dentro desta forma e sustentação estão a iluminação, canalização, a tubulação de água, esgoto, gás, sendo necessário selecionar espécies que não conflitem com a infraestrutura  existente, evitando erros que interfiram  no alicerce, e erros, que segundo ela,  são vistos todos os dias, como as árvores de raízes aéreas que quebram as calçadas. “Isso é tão importante quanto repensar a posição da paisagem dentro do universo arquitetônico” complementa. A arquiteta também chama atenção das intervenções que reduzem impactos ambientais, configuram calçadas, recupera áreas mortas, propõem ambientes e percursos e ainda criam microclimas.

Tão vasta quanto suas experiências são a quantidade de projetos realizados nas inúmeras consultorias, planejamentos e trabalhos Brasil afora. Se pensarmos nos marcos urbanos, temos dois excelentes exemplos:  Parque da Juventude, em São Paulo, e o Parque do Abaeté, em Salvador, áreas que se apresentavam em acelerado processo de degradação. Para quem já visitou a Estação das Docas, em Belém, onde o ponto turístico é também lazer local, sabe bem a importância que teve sua renovação.  Assim como quem vai a Mangal das Garças, à beira do rio Guamá, lindíssimo parque com mirante, viveiros de aves, borboletário, memorial de navegação amazônica, pontes e tantas outras surpresas de recuperação da cidade. Chamam atenção as intervenções paisagísticas feitas para os edifícios históricos, como o Forte do Presépio e o Museu de Arte Sacra, conjunto conhecido como Feliz Lusitânia.

Imagens: Acervo Rosa Kliass

Planta e foto com vista do Mangal das Garças, em Belém/PA

No Amapá, Rosa Kliass foi responsável pelos projetos de urbanização e paisagismo da área em torno da Fortaleza de São José e no Maranhão, desenvolveu um plano da paisagem urbana de São Luís. No Pará, além dos trabalhos de Belém, participou do plano de desenvolvimento urbano de Marabá e de consultoria paisagística para o núcleo de habitações de Carajás. Em São Paulo, espaços da relevância da avenida Paulista e do Vale do Anhangabaú. As interferências nos projetos públicos, segundo a arquiteta paisagista, demonstram que as paisagens por mais maltratadas que sejam, podem renovar-se e apresentar qualidades insuspeitas e apreciadas. “Jardins, áreas rurais, ruas e avenidas são capazes de estabelecer ou restabelecer ótimas relações dos indivíduos com o mundo natural e propiciar atividades sociais e de cultura” garante a urbanista.

Na iniciativa privada Rosa Kliass assinou o paisagismo de quase 200 edifícios corporativos e ainda coordenou empreendimento como o Panamby, na região oeste de São Paulo, onde está Parque Burle Max, já implantado pelo paisagista. Intensamente arborizada, a área de reserva ambiental é hoje um parque municipal público, uma espécie de refúgio verde na chamada selva de concreto. Outro projeto que recebeu muita atenção de arquitetos e ambientalistas é o do aeroporto de Brasília, onde o térreo não tem ar condicionado e integra bem os espaços internos com os externos, por meio de muita vegetação e espelhos de água, que amenizam o clima seco da região. O percurso das experiências pessoais e profissionais de Rosa Kliass pode ser conferido no livro “O livro da Rosa – vivência e paisagens”, lançado pela Romano Guerra Editora.  Com uma narrativa coloquial, a obra traz memórias, lembranças, fotografias, desenhos, projetos e outros fragmentos de uma jornada destemida, revelando a história de uma mulher à frente do seu tempo. Outros dois livros de autoria da paisagista são: “Rosa Kliass: desenhando paisagens, moldando uma profissão e Parques Urbanos de São Paulo”, baseado em sua dissertação de mestrado.

Acervo Rosa Kliass
Fortaleza de São José de Macapá, no Amapá