O Mundo e EU – O Surrealismo e nós

Claudia Jannotti
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 O MUNDO E EU

Fico a imaginar o Excêntrico Salvador Dali   ao  fitar o mar na enseada de Port Lligat, em uma tarde idílica do verão de   1916, onde ficava  sua casa na Costa Brava, talvez ele tenha  suspirado  com um certo deboche, artista e lenda que iria  conquistar uma legião de pensadores e pessoas comuns, veria o que somente seus olhos curiosos poderiam descobrir.

A verdade já  era sabido por ele creio eu , não era novidade ver que por traz de  sorrisos alternados com o silencio de  segredos bem guardados, certas perguntas interiores precisavam ser apresentadas, lugar que a  realidade luta  por uma   interpretação  metafórica e ímpar, talvez  relatar os dilemas e traumas pessoais ou nossas miseráveis  paixões e êxtases, dar lugar ao imaginário, o tempo, o Surreal. 

Poemas inteiros, músicas, estampas, influência na arquitetura, o surrealismo, não ficaria preso em um período, um movimento absolutamente atual e instigante, considero o movimento uma Revolução.

Dali disse aos 7 anos que seria Napoleão, mas os ventos das praias rochosas da região de Ampudán, na Catalunha  acompanhariam seu destino de glória e dramas pessoais, ao ingressar na Escola Especial de Pintura,  Escultura e Gravura da Real Academia de Belas Artes de San Fernando em Madri, o aspirante  de Napoleão decidiu que seria um Gênio e ele  permitiu.

Ele trabalhou com várias técnicas de pintura, pontilhismo, trompe l’oeil, desenhava exaustivamente para atingir perfeição em seus desenhos, um artista que buscou explorar todas as áreas do conhecimento, para produzir suas obras enigmáticas, fascinado com a energia atômica e física nuclear, influências de metafísicos italianos, como Chirico e Carrá.

Estudou as vanguardas e suas obras  do movimento impressionista  lhe trouxeram uma paixão, que  pontos de cor provocam pela justaposição, uma mistura óptica nos olhos do observador, era um provocador, precisamos entender que a mente de Dali não se limitava a pintura, ele desenvolveu estudos sobre artistas, como Goya, El Greco, Velázquez , Durero, Leonardo,  Michelangelo, se apaixonou por grandes mestres entre  eles o seu preferido Rafael.

O jovem de cabelos longos e olhos iluminados  passeou por Hollywood despertando curiosidade  por onde passava, desenhou cartazes publicitários, sua habilidade para o  desenho foi fruto de muita dedicação e exigência consigo mesmo, afirmou que seria um gênio admirado por todos, Dali  se transformou em um gênio, respeitado e copiado  por milhares, viveu intensamente, sua obra se mistura com o mito, influenciaria muitos artistas, escritores e designers.

O Manifesto Surrealista foi publicado pelo escritor francês, André Breton, em 1924, trouxe para o mundo um novo modo de ver e interpretar arte segundo ele, o termo consiste em:

“SURREALISMO, s.m. Automatismo psíquico em estado puro, mediante o qual se propõe exprimir, verbalmente, por escrito, ou por qualquer outro meio, o funcionamento do pensamento. Ditado do pensamento, suspenso qualquer controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral.”

Importante ressaltar que apenas nos anos 1970, a teoria da linguagem em Lacan permitirá pensar a prática surrealista da linguagem.

A história do movimento surrealista foi agitada e ligada a acontecimentos políticos, um mundo em ebulição eu diria, mas muitíssimo importante o automatismo surrealista se inspirar no funcionamento do inconsciente proposto por Freud, Freud entra na França a convite do Surrealismo, e o Surrealismo de contra partida gentilmente nutre a psicanálise Freudiana.

“Até então eu estava inclinado a ver os surrealistas… como absolutos (digamos 95%, como álcool), manivelas. Esse jovem espanhol, no entanto, com seus olhos sinceros e fanáticos, e seu inegável domínio técnico, me fez reconsiderar minha opinião.”

Sigmund Schlomo Freud

O surrealismo influenciou grandes empresas e criadores principalmente no século XX, os objetos de luxo da a empresa italiana Fornasetti, um significativo exemplo. Fornasetti criou mais de 11 mil produtos entre pratos, cinzeiros, mobiliário, papéis de parede, tecidos e vasos  trazendo sempre sua identidade bem definida ao universo do lifestyle em produtos monocromáticos, com  toques pontuais de cores como vermelho e dourado, uma sabia escolha de cores, pois foram  as cores utilizadas na arte egípcia, que nos remetem também ao rigor e imponência dessa civilização.

Elementos esotéricos como sol, lua e mãos também foram utilizados como imagens de Fornasetti, entre eles balões, arlequins, animais e autorretratos que continuam comercializados   pela marca italiana, hoje sob o comando do filho do artista, o também designer Barnaba Fornasetti.

‘Fornasetti produz peças contemporâneas “Surrealismo, diversão e qualidade”, continuam formando o DNA da marca, ao mesmo tempo vanguardista e atemporal’

Barnaba Fornasetti não ficou limitado a quadros e esculturas, é inspiração de produções expressivas de setores diferentes, design gráfico em campanhas publicitarias, fotografias. O criador Nascido em Milão no ano de 1913, o designer, pintor, decorador, ilustrador e artesão teve como sua assinatura o uso de referências e imagens do passado, certamente uma conexão com suas emoções,  adquiriu gosto por suas memorias de infância, o poder do nostálgico, no caso uma  imagem de revista lhe daria a direção de seu processo criativo e artístico,  quando ao ver o rosto da cantora soprano Lina Cavalieri, que se tornou uma de suas estampas mais conhecidas, em torno de  350 variações do rosto da cantora aparecem em pratos e outros objetos confeccionados pelo artista.

Apesar de nostálgico, o trabalho de Fornasetti nunca foi  conservador ou saudosista, ele permitiria que em   sua arte tivesse também  humor e ironia, que continua presente nas coleções da grife sabiamente jamais  ignorou os novos movimentos que foram surgindo – a exemplo da Pop art que ganhou força nos Estados Unidos dos anos 60 com artistas como Andy Warhol. A empresa UK Wallpaper entrega em todo Brasil, linhas exclusivas da Fornassetti.

O Encontro da arte e moda é extraordinário, uma comunicação de ordem psíquica e cultural, a expressão ‘A moda’, seria a fusão de   comportamentos de milhares de pessoas, crenças e culturas diferentes.

Desfiles extraordinários como o desfile da grife Balenciaga, Demna Gvasalia, a mente criativa da marca, idealizou  um dos mais bonitos  espetáculos do universo da moda,   apresentou um cenário  de futuro apocalíptico, a badalada semana de moda  em Paris no mês de maio de 2020, a dimensão de utopia e caos inundou o cenário para abordar o grave problema do aquecimento global.

A fotografia de moda, seguindo de modo criativo o caminho do surrealismo, registrou tecidos, artistas renascentistas, pedrarias, o feminino e masculino, o sem definição obrigatória, mas também luxo e miséria, o cultural e o político, paradoxos conviveram em inúmeras nas imagens.

A forte influencia do surrealismo  não somente em moda mas na vida de pessoas importantes para  a arte contemporânea ou melhor a contemporaneidade, a revolução na qual a fotografia passou desde  seu nascimento, mas quando buscou referencias psicanalíticas e do movimento surrealista, possibilitou trabalhar imagens reais e realizar  montagens, a  manipulação das imagens  com   técnicas mistas, como colagens e pinturas.

Andy Warhol foi fotografado por Helmunt Newton Paris 1974 Medium, técnica Photo-Lithograph Printing,  Helmunt era extremamente erótico e chegou a ser considerado provocador e claro esta era uma das suas intenções,  homem que  através de suas lindas modelos nuas, apresentava-as  como personagens dominadoras,  nos anos 60 ele mudou o rumo das campanhas  fotográficas do segmento de  moda, ateando fogo em nossos conceitos, inclusive os ligados a perigoso significado da  palavra Moralidade. 

Helmut Newton

Na sequência Andy Warhol Resting, 1974, Nude – Paris 1978 e Andy Warhol fotografado por Helmunt Newton – Paris 1974

 A Fotografia nos trouxe trabalhos distintos, abordando a consciência ou a dissolução do conceito de tempo, Gualter  Naves trabalhou para grades jornais e revistas, uma das   mais importantes de sua carreira, foi  a realizada no aglomerado da serra, com premiação internacional a foto O FUTEBOL DOURADO, crianças  como gladiadores em uma arena, e a foto COMPASSO  o levou a  reflexões sobre o poder da memoria, o tempo  e seus significados de ordem pessoal e comum.

‘O que é real, o tempo seria realmente contabilizado em segundos? Estou eu realmente clicando a realidade?  A velocidade dos fatos ou da maneira que regulo o  obturador Diafragma de minha câmera, a classificação de tempo  possui variações agudas ,o que me alimenta, aceito  que meu cérebro permite que as circunstancias  em que eu escolho a paisagem,  ou pessoas que irei registrar com minha câmera serão interpretadas de formas diferentes, isso é maravilhoso para um mundo  em transformações.’

Gualter Naves

Na sequência Futebol Dourado e Compasso

Por outro lado existem fotografias que estimulam um imenso desejo de intervenções, dono de um currículo admirável, Domingos Mazzilli, nascido em Muzambinho Minas Gerais,  médico com especialização em Psiquiatra e medicina do trabalho, cursou história da arte PUC Minas, pós graduado em arte cultura e contemporaneidade Escola Guignard,  fala pausada, como que ao se apresentar conhecesse-nos melhor que nós mesmos. Alto de porte Europeu, este artista que adotou gosto pelo bordado, realizou uma série em que pérolas seriam o material responsável por toda   subjetividade, várias personalidades da história adornaram colos e cabelos, são elementos de histórias inclusive a de Mazzilli.

Exposições importantes, entre elas SP-Arte e Palácio das Artes, quase vinte exposições individuais, a determinação e sensibilidade de Domingos Mazzilli, levou-o a realizar pesquisas entre íntimo e o privado, reflexões significativas filosóficas, pinta e borda, performances surrealistas.

Monalisa  é a tela que recebe o maior numero de visitantes do planeta, mas essa Dama misteriosa, caso que por passo de mágica pudesse falar de seus sentimentos, o que ela  nos contaria, alegria ou frustação de olhares curiosos e frios, e foi exatamente esta  ligação que nos proporciona ao vermos a obra que Domingos Mazzilli,  alfinetes de chapéus  perolados espetados nos olhos de Monalisa, uma intervenção sofisticada mas certamente surreal, obra que ele curiosamente  nomeia de Obra sem  título 2020. 

Domingos Mazzilli

Intervenção com alfinetes de chapéus com Perolas, Monalisa de Leonardo da Vinci. “Observe que cortei as mãos para aproximar o olhar do fruidor. Quase ninguém percebe!” Impressão pigmento mineral sobre papel 100 % algodão 

 “A pérola que me acompanha desde a minha infância, minha mãe cultivava uma paixão por pérolas, os vestidos de   minhas irmãs; Jackie, Audrey e Diana. Mais tarde, as luvas de Benjamim. As pérolas traduzem delicadeza, romantismo, pureza e permitem contrastes com carne, madeira e  metal além de inúmeras metáforas. Transformam-se em lágrima, urina, esperma, leite, estrela. Ela é a reação a um corpo estranho na ostra; tem um apelo barroco; evoca a saudade do mar; possui formas e cores variadas. E ela talvez seja a única pedra reservada às mulheres, interditada aos homens. A pérola é a dor da ostra numa forma bela. E de quebra tem mãe: a madrepérola!”

Maravilhoso é ver que próprias estruturas construtivas, como O Museu do Amanhã localizado na cidade do Rio de Janeiro, sim é uma arquitetura neofuturista com influências do surrealismo, o arquiteto e engenheiro espanhol, Santiago Calatrava, nascido na cidade de Valência, em julho de 1951, é visto como um dos mais ativos “estruturistas” contemporâneos. Seu estilo neofuturista e a característica de virtuosismo estrutural em suas obras, que movem nossos conceitos de Arquitetura para outra dimensão, ou eu diria transportam um movimento artístico literalmente para todas as áreas, isso sim é surreal.   

Fotos: iStock