Paulo Laender – O artista conservador que vive o seu tempo

Lucas Fonseca
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 ARTES PLÁSTICAS

As referências da arquitetura e de seus mestres fazem da tridimensionalidade um traço marcante nas obras do artista

A arte é uma experiência que remete à infância de Paulo Laender, uma inspiração que começou por meio de uma tia pintora, aluna na época do artista Alberto da Veiga Guignard. “Eu digo que o cheiro de tinta está impregnado no meu córtex desde os seis anos de idade, quando eu ia para a casa da minha avó e ajudava a minha tia a preparar os fundos de tela para ela pintar”, relembra o artista. Nascido no interior de Minas Gerais, em Teófilo Otoni, em 1945, o pintor, gravador, arquiteto, escultor e designer traz em sua trajetória um acervo artístico que retrata não só suas experiências de vida, mas toda a subjetividade do mundo.

Lucas Fonseca
Arte e arquitetura se complementam no trabalho de Paulo Laender

Em 1962, ele se muda para Belo Horizonte, onde inicia os estudos de desenho com Maria Helena Andrés. Dois anos depois funda o Grupo de Oficina e realiza a sua primeira exposição individual na capital mineira. A arte levou Laender ao Rio de Janeiro, onde frequentou o ateliê de gravura do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), além de expor na 8ª Bienal Internacional de São Paulo.

A forte ligação com a estética e com o desenho fizeram Laender retornar a Belo Horizonte, em 1965, para cursar arquitetura pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Lá, ele acrescenta mais um elemento às suas obras – a tridimensionalidade. “Quando eu vi o potencial da arquitetura, a minha concepção na questão formal da proporção, da composição, da harmonia cresceu muito e eu comecei a encarar a terceira dimensão, foi quando me propus a trabalhar com escultura”, explica o artista.

Em paralelo aos trabalhos artísticos, Laender atuou por 20 anos como arquiteto, desenvolvendo mais de 40 projetos de residências na capital mineira. Mas as demandas por suas obras foram ocupando muito mais espaço na sua rotina de trabalho do que a arquitetura, até que em 1981 ele decide fazer uma viagem pela Europa e pelo Oriente para estudos e pesquisas. “Quando voltei ao Brasil, eu entrei no escritório e pensei: ‘o que eu estou fazendo aqui!’. Eu havia virado uma outra coisa que não era mais um profissional de ficar sentado em uma sala e passar o dia trabalhando; não pela arquitetura, mas pela postura de viver o escritório”, conta ele. A partir de então, Laender realizou diversas exposições de esculturas, pinturas e joias, além de lançar o livro que leva o seu nome, em 2008.

Uma dimensão fantástica

“O ateliê para mim é o lugar onde as coisas entram, os meus mestres chegam. Não tenho problema em dizer que me apoio em dezenas de mestres e entro na pintura deles; tiro o que eles podem me ensinar e toco em frente. Porque a questão da arte para mim é continuar o trabalho dos mestres que vieram antes de nós”. O depoimento de Laender revela o referencial do seu trabalho não apenas na sua própria subjetividade, mas no trabalho de outros artistas. “Eu sempre tive uma aversão a essa questão da arte contemporânea, não consigo pensar numa atuação artística em que você não tenha compromisso com toda a herança que o mundo da história da arte nos deixou, e que é muito forte e maravilhosa”, complementa ele.

Sua pintura é marcada pelo grafismo e pelas formas herdadas do trabalho com a escultura. Os planos, as cores, a tridimensionalidade remetem não só ao conhecimento em arquitetura, mas a um cubismo reciclado que só um artista preocupado em dar continuidade ao trabalho de seus mestres, como Laender, se propõe a fazer.

O fantástico se faz presente na geometria, mas também nas máscaras, totens – o tribal de Laender que revela o mais íntimo do pensamento humano. Porém, muito além do místico, o artista revela em suas obras a amplitude de potencial criador sem deixar de lado a nostalgia das lembranças, do passado, do arcaico que se revela como novo, mas que, no fundo, remete à essência do ciclo da vida.

A expansão do confinamento

Com o isolamento social provocado pela pandemia do coronavírus, a partir de março de 2020, Laender se viu instigado a pintar suas obras para além do seu ateliê, “eu comecei a ter uns insights muito significativos por meio de sonhos e questionamentos que me apareceram”, conta ele – uma verdadeira busca pela libertação do confinamento.

A necessidade de extrapolar o espaço físico durante esse tempo é traço marcante na sua coleção de obras: portais, mandalas uniformes, figuras flutuantes, casas e castelos imaginários, todos levam o pintor e também os observadores de suas telas a uma janela para uma terceira dimensão, uma forma, como o próprio artista diz, de se libertar de uma condição que sufoca a sociedade.

“O confinamento tem me proporcionado um período de reflexão, de estudo de técnica, de evolução dentro do meu trabalho, de pesquisar outros artistas que também tem essa necessidade de extrapolar o limite físico do ateliê. Esse tipo de trabalho me libertou para que eu pudesse compreender essa situação que estamos vivendo numa visão muito mais ampla do que apenas a visão físico-política da pandemia. Eu acredito que nós vamos ter que nos abrir para conviver com um mundo muito mais amplo do que esse que estamos vivendo no momento”, afirma Laender.