Rita Lessa, a propositora visual

Fábio Gomides
9 min de leitura

 ARTES PLÁSTICAS

Ela prefere o título de propositora ao de artista plástica, mas o fato é que Rita Lessa ultrapassa qualquer denominação, direcionando seu trabalho com muita naturalidade e sensibilidade, vestindo a casa e o corpo

Rita Lessa é dessas mulheres que transbordam poesia e afeto. Movida pela curiosidade, não mede esforços para experimentar algo que se apresente como interessante. Por conta disso, já flertou com o cinema, já pensou em ser bailarina e tem a literatura como uma grande companheira. Ama cozinhar e como boa mineira, receber. Seus trabalhos conquistaram o mundo e seguem encantando pessoas em vários países. Um deles é a França, onde Rita teve a oportunidade de ser uma das artistas brasileiras convidadas pela rede de supermercados Monoprix, para desenvolver uma coleção em homenagem ao Brasil, lançada em 2014, um pouco antes da Copa do Mundo. Na ocasião, a mineira criou uma série de produtos como pratos, jogos americanos, guardanapos e cestos de pães em tecidos, ornados com desenhos de frutas que remetem ao nosso clima tropical como caju, banana melancia e o abacate. Obviamente que esse trabalho fez um enorme sucesso e esse reconhecimento no exterior foi uma grande realização para Rita Lessa, que destaca: “Fale de seu quintal autenticamente, que você estará falando com o mundo. Deliro com o fato de ser brasileira. Isso nos confere uma certa bossa, creio. E flerto com o mundo, confesso!”. A repercussão foi tanta que artista também já levou suas criações para a loja de departamento francesa, especializada no mercado de luxo, Le Bon Marché.

Divulgção
Rita Lessa em seu atelier

Mas engana-se quem pensa que ela se apoia no sucesso para reduzir sua carga de trabalho. Muito pelo contrário. Rita tem produzido cada vez mais, explorando novos formatos, linguagens e suportes para aplicações de seus desenhos. Por mais de 30 anos, a artista pintou todos os seus trabalhos de forma inteiramente manual.

Com mais de 40 anos de carreira, foi uma das pioneiras na arte de levar seus traços e pinturas para o meio digital, garantindo a criação e a sobrevivência de forma inovadora de uma vasta linha de produtos que inclui itens de cama, mesa, decoração, mobiliário, vestuário, além das telas e instalações artísticas. Muito antes de todas as grandes marcas, artistas e designers se voltarem para a produção de linhas assinadas de produtos para casa, Rita já nadava de braçada neste mercado, conquistando clientes em diversas partes do mundo. Hoje ela detém os próprios meios de produção e viabiliza, com a ajuda de uma pequena equipe de costureiras, uma ampla linha com vários produtos que carregam sua assinatura. O grande trunfo da carreira veio a partir da digitalização de seus desenhos, permitindo uma produção em maior escala, além da garantia de cores e texturas a cada aplicação. E com isso, ela começou a conquistar cada vez mais a simpatia de arquitetos e designers de interiores para tudo que produz, tornando-se grandes parceiros.

Fotos: Divulgação

E se depender da sua criatividade e pro-atividade, essa lista ainda irá crescer bastante. A base do seu trabalho é sempre o desenho ou a pintura, que aparece aplicada em todas as suas criações. Paralelamente a tudo isso, Rita Lessa ainda estabelece um forte diálogo com escrita e com a constante experimentação, produzindo obras que instigam, sugestionam e ao mesmo tempo enchem os olhos do espectador. E você deve estar se perguntando de onde vem toda essa criatividade. A artista é categórica ao afirmar: “No meu entendimento para se produzir algo é necessário que a gente se coloque em trabalho de forma constante. Meu ateliê não é movido a inspiração (aliás, o que seria isto?!). E frequentá-lo não é um hobbie do tipo: vou pra lá quando pinta uma onda. Ao contrário, permaneço nele. Criação é fruto de trabalho, de muito errar e por vez acertar”, destaca Rita Lessa.

Rita estudou Artes Plásticas na Guignard onde teve a oportunidade de ser aluna de Amilcar de Castro, além de conviver com diversos outros artistas que se tornaram grandes referências não apenas para a sua carreira como também para uma geração de artistas. “Ter sido aluna do Amilcar de Castro, frequentado suas aulas de composição com papéis picados me afetou bastante. Assim como vê-lo em seu ateliê, imerso em uma produção que não tinha fim, teve cá seu impacto. Quanto à proximidade com Lígia Pape, de quem fui brevemente aluna e pudemos seguir em diálogo, fiz disto registros que me valem recorrentemente. Ainda passei pelo Museu do Inconsciente, com a Dra. Nise da Silveira e Dr. Lula Wanderley e vi de perto Fernando Diniz (interno de Arthur Bispo do Rosário) trabalhando”, sentencia.

Fotos: Divulgação

LESS

A inauguração da Casa Less, no bairro Serra, em Belo Horizonte foi um divisor de águas na carreira da artista uma vez que viabilizou a apresentação de todo o seu trabalho em uma espécie de showroom humanizado, onde ela mesma faz questão de receber as pessoas. Dessa forma, o público tem a oportunidade de conhecer toda a atuação da artista de um jeito muito singular, regado a um bom papo com a criadora enquanto  percorre uma casa ricamente decorada com produtos criados por ela incluindo uma infinidade de opções como almofadas, tapetes, tecidos, papéis da parede, roupas de cama, luminárias, jogos americanos, louças, toalhas, passadeiras, incluindo a icônica folha de bananeira, responsável por popularizar o trabalho da artista), a linha de roupas, que ela prefere chamar de vestíveis por não se considerar uma estilista, além de várias outras criações. Sobre a folhas de bananeira, Rita conta que já perdeu as contas de quantas foram produzidas até hoje. Criada inicialmente para serem usadas na mesa, a mesma peça ainda permite várias utilizações como peseira de cama, ou enfeite para sofás e até quadros. Vários hotéis e resorts brasileiros e até internacionais, encomendam centenas dessas peças da artista para composição de suas suítes.

Fotos: Divulgação

Na Casa LESS, até a garagem foi ocupada e se transformou numa espécie de galeria de arte, abrigando as telas e instalações em tecido. O seu ateliê é na verdade um bureau de estampas e possibilidades. O cliente escolhe o desenho e tanto Rita quanto o próprio local ficam responsáveis por sugerir todas as aplicações.

O ateliê funcionava em outro endereço, mas durante a pandemia, a artista entendeu que precisava otimizar tudo em um mesmo espaço. E por falar em pandemia, assim como todos os profissionais criativos, Rita Lessa também precisou se reinventar neste período. Assim que foi a Covid-19 foi reconhecida como pandemia mundial, a artista foi uma das primeiras a direcionar sua atuação para a produção de máscaras, que foram doadas para milhares de pessoas e instituições. E esse jeito de compreender sua existência, linguagem artísticas e a necessidade de provocar o outro e convidá-lo a apreciar um pouco desse universo que ela apresenta, que fazem de Rita Lessa essa artista tão presente e necessária para a humanidade.