ENTREVISTA
Nesta edição, nossa entrevistada é a doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP e professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia, Simone Barbosa Villa. Ela acaba de lançar o livro “Morar em Apartamento”, pela Oficina de Textos. Desde que entrou na universidade, em 1995, que Simone vem se dedicando aos estudos na área de arquitetura e urbanismo. Por conta disso, possui inúmeras publicações incluindo livros, artigos, capítulos de livros, e estudos, colecionando também algumas premiações.
Acervo pessoal
Na publicação recém-lançada, a autora apresenta ao longo de 272 páginas a evolução dos espaços internos dos edifícios de acordo com os modos de vida da sociedade, com o auxílio de plantas, que foram cuidadosamente reconstituídas. As pesquisas apresentadas no livro analisam os impactos das transformações na vida privada e no modo de viver das pessoas nos últimos 100 anos, produzindo um retrato social amplo e bastante crítico acerca da moradia em apartamentos.
Divulgação
Este livro é uma espécie de continuidade da pesquisa iniciada por você durante o mestrado, em 2002. O que te motivou a desenvolver essa pesquisa para o mestrado e ainda continuar se enveredando pelo tema mesmo após tanto tempo?
Sim, eu comecei esta pesquisa no mestrado, em São Carlos, inserida em um grupo de pesquisa chamado Nômads e a partir da conclusão do meu mestrado em 2001, decidi dar continuidade a este assunto numa pesquisa de doutorado, na FAU/USP, orientada pela professora Sheila Walbe Ornstein. A partir de 2009, eu ingressei na Universidade Federal de Uberlândia, onde sou professora atualmente, fundei o [MORA] Grupo de Pesquisa em Habitação dando continuidade às pesquisas com um projeto intitulado “Habitat Vertical”. Desde então, fui aprimorando o tema. Uma base bastante significativa deste livro Morar em Apartamento vem sim do mestrado, mas é importante ressaltar que venho aprimorando os documentos e principalmente as análises que subsidiaram a publicação no contexto do MORA.
O que mais te surpreendeu neste processo de pesquisa?
A produção de apartamento no Brasil ainda continua muito similar a décadas atrás. É possível identificar que o mercado ainda é muito tímido na proposição de inovações para a construção de apartamentos. As inovações que percebemos atualmente são mais cosméticas e não chegam a mudar essencialmente os espaços e a relação com a cidade – que destaco ser um ponto muito importante. Sobre esse processo de produção de moradias em formatos de condomínios, tanto nos apartamentos como nas casas, acredito ainda que precisamos superar este padrão tipológico, introduzindo layouts mais adequados para os moradores, além de tentar resgatar as nossas relações com as cidades. E tudo isso tem a ver com novos desenhos para a habitação e como consequência o redesenho da própria cidade.
É possível identificar que o mercado ainda é muito tímido na proposição de inovações para a construção de apartamentos. As inovações que percebemos atualmente são mais cosméticas e não chegam a mudar essencialmente os espaços e a relação com a cidade (…)
Esta pesquisa se encerra com a publicação deste livro ou pretende continuar investigando sobre o tema?
Este tema sempre foi muito especial para mim. Como faço parte do grupo de pesquisa [MORA], eu pretendo sim continuar investigando sobre este assunto, buscando financiamentos e parcerias para potencializar novas soluções para a área.
Ao longo da publicação você aponta que há certo descompasso entre a evolução dos modos de vida e a organização espacial das habitações. Para você, qual a principal causa desse intervalo já que as tecnologias existentes contribuíram para acelerar diversas outras mudanças?
Eu acredito que este certo descompasso, ele acontece em função do próprio mercado imobiliário, que vem evitando inovações no formato e o investimento de recursos em pesquisas nos seus escritórios de arquitetura, incorporando opiniões dos usuários, avaliações pós-ocupação ou desenvolvimento de produtos mais vanguardistas. O mercado ainda prefere navegar em mares mais tranquilos e ofertar produtos que não sejam considerados por ele como de grande risco. Quando uma empresa coloca um edifício residencial à venda, a grande questão é justamente essa: desenvolver um produto que seja rapidamente comercializado. Hoje já acompanhamos no mercado iniciativas de várias incorporadoras que já perceberam essa necessidade de trazer essas inovações e projetos de maior qualidade ao invés de ficar repetindo modelos. Uma das maiores críticas do meu livro é justamente sobre essa questão da repetição. A grande maioria dos edifícios de apartamentos construídos em cidades brasileiras está calcada na repetição. Há inúmeros exemplos de empresas consolidadas no mercado que usam a mesma planta por exemplo para diversos lugares, em variados contextos sociais, culturais, climáticos etc. Nosso Brasil é muito vasto e isso demandaria projetos adequados para cada região. Mas já é possível perceber que algumas incorporadoras, principalmente em São Paulo, já estão buscando inovar neste quesito, oferecendo produtos mais adequados a essa evolução nos modos de vida, novas tecnologias, repensando o espaço da habitação na cidade, mas isso ainda é uma exceção dentre o universo analisado.
Fotos: Divulgação
A verticalização é sem dúvida um dos maiores ou senão o maior símbolo de metropolização de uma cidade. Dessa forma, devemos considerar a construção de grandes prédios apenas sob a ótica do desenvolvimento? E como esse impacto se revela na questão social?
A verticalização já ocupou esse espaço, agora não mais. Precisamos lembrar que os edifícios de apartamentos passaram a ser implementados também nas cidades médias brasileiras, na qual os processos de metropolização não ocorrem de forma tão intensa. Então, o edifício de apartamento já é uma tipologia de arquitetura bastante comum às nossas cidades, superando essa ideia de símbolo da metropolização. Neste contexto mais contemporâneo ele poderia servir como resposta, principalmente a questão social. Eu acredito que a produção de edifícios de apartamentos ou habitação coletiva verticalizada, poderia ser uma resposta muito interessante à própria sustentabilidade das cidades, em produzir espaços de habitação social melhores inseridos, promovendo uma maior qualidade de vida para os moradores. Mas isso deveria necessariamente perpassar por essa atualização dos modelos, uma revisão completa da forma de organizar os espaços, já que a própria sociedade tem se reorganizado. Os grupos domésticos têm mudado muito. O IBGE vem apresentando novos formatos familiares, já totalmente consolidados. A forma como as pessoas se relacionam hoje com o espaço é bastante diferente de 50 ou até mesmo de 30 anos atrás. Então a produção dessa habitação vertical social deveria também responder à essas novas demandas e a resposta viria com desenhos mais contemporâneos que conseguissem atender a toda essa diversidade atual e, portanto, uma maior resiliência e flexibilidade.
Essas qualidades podem ser percebidas neste cenário de pandemia. Casas resilientes e flexíveis, que apresentam um desenho mais contemporâneo, com certeza oferecerem uma qualidade de vida e possibilidades de uso muito ampliadas para as pessoas do que as casas tipificadas com áreas reduzidas. Esse é o caso de muitos apartamentos disponíveis no mercado, que apresentam tipologias tripartidas em espaços muito reduzidos, comprometendo a funcionalidade dos cômodos e a qualidade do espaço. A necessidade do isolamento social, da maior permanência em casa e, portanto, da realização de muitas atividades anteriormente realizadas no espaço público, coletivo e do trabalho, traz uma reflexão importante sobre a revisão destes modelos e a necessidade de se pensar espaços mais adequados aos novos modos de vida e às novas formas de morar.
Para você, o modelo de construção e distribuição dos apartamentos vem melhorando ou piorando com o passar do tempo? Por que?
Sob o ponto de vista das tecnologias de construção, o Brasil ainda está aquém em relação a outros países mais industrializados porque ainda tem um canteiro com o uso de tecnologias tradicionais, usa pouco os sistema pré-moldados e tampouco os mais limpos e; por conta disso, essa forma tradicional de construir acaba se rebatendo também no desenho dos espaços. Se tivéssemos uma maior industrialização dos processos e das construções, teríamos produtos com uma qualidade melhor, atendendo tanto normas de qualidade quanto de sustentabilidade de forma plenas.
(…) o Brasil ainda está aquém em relação a outros países mais industrializados porque ainda tem um canteiro com o uso de tecnologias mais tradicionais, usa pouco os sistema pré-moldados e tampouco os mais limpos e; por conta disso, essa forma tradicional de construir acaba se rebatendo também no desenho, que acaba se mantendo nos moldes mais antigos.
É possível identificar a presença de tendências ou modismos que impactem o modelo dos apartamentos ou apenas os estilos da época é que são determinantes?
Sim. Há sempre um certo modo cosmético de tratar os edifícios de apartamento, que podem aparecer ora focados em suas fachadas, ora apresentando determinados padrões de volumes, texturas e cores ou mesmo na disponibilidade de equipamentos de uso coletivos nos edifícios, que é uma outra tendência observada. Mas de fato, essas soluções são mais cosméticas do que essenciais para contribuir para uma mudança efetiva na qualidade destes edifícios.
Apresentamos nesta edição uma reportagem sobre as chamadas cidades inteligentes. Esse movimento já chegou também nos edifícios das grandes metrópoles como São Paulo. Vejo que você deixou de fora do seu livro uma análise sobre os apartamentos sociais em função do recorte de pesquisa adotado, mas como estudiosa do assunto, como você avalia esse movimento dos apartamentos inteligentes com foco no público das classes C e D e seu impacto tanto no estilo de vida das pessoas e também no processo de construção das moradias como um todo?
A existência destes projetos é realmente uma tendência nos países desenvolvidos, principalmente naqueles que possuem um processo de produção de moradias a partir de tecnologias mais sustentáveis e industrializadas, mas aqui no Brasil ainda é um movimento muito tímido, principalmente nas faixas C e D. O que a gente vê na grande maioria de produção de edifícios de apartamentos para estas classes são apartamentos construídos de uma forma tradicional, com processos construtivos de baixa qualidade, gerando uma quantidade muito grande de resíduos. O resultado é sempre o mesmo: planta e um padrão de implantação bastante tipificado. Então a gente praticamente não percebe grande mudanças, que devem partir principalmente dos processos e métodos construtivos. Mas percebo com bons olhos iniciativas bem estruturadas que promovam pelo menos parte das mudanças necessárias.
Fotos: Divulgação
Na sua visão, como será o apartamento do futuro?
O apartamento do futuro deveria necessariamente responder às necessidades de seus moradores. Moradias resilientes e sustentáveis, que pudessem impactar positivamente o ambiente natural e social na qual se inserem. Espaços de morar que pudessem reconstruir nossas relações com a cidade e estimular bons hábitos. A melhoria da qualidade habitacional, notadamente de edifícios de apartamentos, passa por uma maior tecnologia das coisas e dos processos, da valorização do projeto arquitetônico, além de uma gestão do processo mais eficiente que considera os interesses e as reais necessidades dos usuários finais. Existem desejos exasperados de novas formas de morar que, não acompanhados de novos conteúdos programáticos, podem resultar num formalismo que escapa à contemporaneidade.
Morar em apartamento – Simone Barbosa Villa
Editora Oficina de Textos
Preço sugerido: R$ 205,00
À venda nas livrarias ou no site da editora