A vida poética e inusitada das cores

Ana Beatriz Bizzotto
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 COR

O branco no vestido de uma noiva. Tons de azul ou cor-de-rosa nas paredes do quarto de uma criança que ainda não nasceu. Corações vermelhos decorando estabelecimentos comerciais no dia dos namorados. Verde e amarelo no rosto de um torcedor durante a Copa do Mundo de futebol. O preto do luto. Luzes verdes, amarelas e vermelhas em um semáforo, na rua.

As possibilidades são infinitas, já que o uso que fazemos das cores é tão amplo.

Frequentemente, no correr da vida, lidamos com as cores e seus possíveis significados, sejam eles profundos ou corriqueiros. Há situações, inclusive, em que podem ser tudo que é necessário para garantir a compreensão de uma mensagem: são códigos sociais e estão presentes nas representações que construímos do mundo ao nosso redor. Por causa dessa capacidade de significar, a relação das pessoas com as cores tende a ser muito íntima e particular.

Sendo assim, é impossível negar que as cores importam. São parte fundamental da experiência estética e visual dos seres humanos e, por isso, são consideradas com tanto cuidado por artistas, arquitetos e designers – a escolha de determinadas tonalidades pode provocar as mais diversas sensações e construir os mais diversos tipos de atmosfera, também.

Pela mesma razão, também existem inúmeros estudos científicos abrangendo as cores e seus efeitos psicológicos nos seres humanos, e isso desde períodos históricos muito anteriores ao atual. Experimentos que abrangem momentos muito diferentes e níveis de conhecimento muito variados. O primeiro, e talvez um dos mais relevante de todos, é o conhecido Experimentum Crucis realizado por Isaac Newton em 1666.

Uma breve história das cores

O interesse pelo universo das cores atingiu grandes proporções com os estudos de Isaac Newton sobre a óptica. Suas experiências foram ousadas para a época em que ocorreram e incluíram a decomposição da luz em raios refratários, através de um prisma transparente, este foi o chamado Experimentum Crucis. A partir dele, o físico descobriu que é possível decompor a luz branca em outras cores, desvendando fenômenos como a formação dos arco-íris. Antes dos experimentos de Newton, a luz branca era considerada indivisível e, justamente por isso, os resultados de sua pesquisa foram tão impactantes: pela primeira vez provava-se, a partir de experimentos empíricos, que a luz branca na verdade era composta das outras cores que surgiam no espectro formado pelo prisma transparente.

A título de curiosidade, vale mencionar que Isaac Newton quase perdeu a visão enquanto fazia seus experimentos ópticos, devido aos períodos prolongados ao longo dos quais encarou luzes brancas fortes diretamente, para realizar suas descobertas.

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Também foi a partir dos estudos de Newton que, alguns séculos depois, se chegou à conclusão de que as cores são nada mais nada menos que comprimentos de onda que atingem o olho humano em frequências determinadas e específicas, possibilitando a sua percepção. Sem iluminação, é impossível que o olho humano perceba as cores, já que elas só são visíveis a partir da reflexão da luz sobre uma superfície.

Assim, chega-se a formulação de que a cor preta é a ausência de luz e a cor branca é o conjunto de todas as cores do espectro, quando submetidas a iluminação. Outra descoberta científica importante relacionada à percepção que os seres humanos têm das cores ocorreu no século XIX. Foi nesse período que se descobriu que a percepção de cores é um fenômeno fisiológico, ou seja, resulta da interação entre a retina e o cérebro de um indivíduo. Dessa maneira, entende-se que a forma como as pessoas vêm as cores é completamente subjetiva.

Posteriormente às descobertas de Isaac Newton, muitos outros teóricos se interessariam pelo estudo das cores e obras de referência seriam escritas a esse respeito. É o caso de livros como Teoria das cores, do teórico alemão J. W. Goethe, que, publicado no início do século XIX, inspirou inúmeros artistas, desde pintores pré-rafaelitas até os impressionistas. A partir desses estudos, surgiram o círculo cromático da forma como o conhecemos atualmente, além de novas tonalidades (as cores terciárias) e formulações teóricas sobre os efeitos que as cores poderiam exercer sobre os seres humanos.

O círculo cromático e seus acordes

O círculo cromático surgiu a partir de uma combinação incrivelmente poética de arte e ciência. Trata-se da organização circular, das cores primárias, secundárias e terciárias. As cores primárias são aquelas que podem ser encontradas a partir da decomposição da luz branca pura: o vermelho, o azul e o amarelo. A partir das combinações entre cores primárias, origina-se três cores secundárias: laranja, roxo e verde. Por sua vez, a junção das cores secundárias e primárias dá origem às seis cores terciárias.

O círculo cromático arranja esses doze tons de forma a ressaltar as suas combinações harmônicas e desejáveis. Cores complementares são aquelas que se encontram localizadas em extremidades opostas no círculo cromático. As cores análogas estão posicionadas lado a lado. Além disso, a pesquisadora alemã, Eva Heller, fala em acordes cromáticos em relação ao círculo de cores.

As cores não são percebidas como unidades isoladas. Uma cor central estará sempre acompanhada de outros tons, que certamente irão interferir na forma como essa cor central será percebida. As combinações de cores que são apresentadas às pessoas são os acordes cromáticos e é desejável que sejam harmônicos, para não provocar reações negativas. Acordes cromáticos harmônicos e equilibrados são formados a partir de combinações de cores complementares e cores análogas.

Além da forma de classificação que vemos no círculo cromático, há também outras formas de descrever as cores e harmonizá-las. Frequentemente encontramos a denominação de cores frias e cores quentes, cujos usos podem trazer efeitos visuais muito interessantes a um espaço. Também é possível classificar as cores quanto ao seu brilho e saturação (concentração de pigmentos claros e escuros que são encontrados em dada tonalidade). O universo das cores, além de ser tão apelativo do ponto de vista visual, é também muito diverso. É possível usá-lo para contemplar as personalidades mais diversas.

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A designer de interiores, Karina Barakat, comenta como prefere utilizar cores complementares e análogas em seu trabalho, destacando que a escolha de estratégia depende de um briefing detalhado com os clientes, que definirá as necessidades e demandas do ambiente, assim como o gosto de cada habitante daquele espaço: “Gosto muito de usar cores análogas nos meus projetos. Noto que as cores frias tendem a ter mais aceitação, no geral, por serem mais tranquilizantes, tons de azul e esverdeado (às vezes com um toquezinho de roxo) são muito bem aceitos e deixam o ambiente muito acolhedor. Especialmente em quartos, que devem ser ambientes de descanso, balanceando-os com alguns outros tons mais neutros. Um verde-musgo, com toques alaranjados e avermelhados, é uma composição muito atual também – neutralizado com tons de cinza não fica cansativo nem excessivo”.

Além disso, afirma: “Também gosto de usar cores complementares, pois, se usadas da forma correta, elas se neutralizam e tornam o ambiente muito agradável e dinâmico ao mesmo tempo, fugindo da monotonia dos tons muito neutros e monocromáticos. Escolher bem os tons é essencial para atender à personalidade do cliente. Azul-marinho com toques de laranja ou até mesmo amarelo são medidas muito assertivas das quais, geralmente, as pessoas gostam muito”.

A mágica do design e da arquitetura

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De acordo com Pablo Picasso, conhecido pintor de estética cubista, “na realidade trabalha-se com poucas cores. O que dá a ilusão do seu número é serem postas no seu justo lugar”. A arte de Picasso é conhecida por usar as cores e formas geométricas como forma de expressão. Exemplo disso é Guernica, um dos quadros mais famosos do pintor. Nele, Picasso utiliza tons de azul-escuro, preto, branco e cinza para compor uma atmosfera triste e melancólica, em uma representação da Guerra Civil que devastou seu país natal, a Espanha.

Assim como Picasso, muitos outros artistas – antes e depois – apostaram no uso e na descrição das cores para compor atmosferas e evocar sentimentos em suas obras de arte. As cores têm esse efeito: provocam lembranças e sensações. Dependendo da forma como são combinadas, podem ser representativas de sentimentos positivos ou negativos. Podem acolher ou repelir.

A arquitetura e o design, assim como as belas artes, são áreas de atuação que contam com o uso das cores (assim como de outros recursos como as texturas, por exemplo) para trazer sensações à tona. Procura-se projetar ambientes que sejam esteticamente agradáveis para seus habitantes, além de funcionais. A funcionalidade deve estar aliada a harmonia e ao equilíbrio e o uso do círculo cromático é essencial para que esses objetivos sejam alcançados. Andrea Pinto Coelho, arquiteta, afirma usá-lo constantemente em seu trabalho: “O círculo cromático influencia muito o planejamento do ambiente. Ao projetar um ambiente, é importante perguntar ao cliente quais são as cores das quais ele gosta, pois essa é uma questão muito particular. Nesse sentido, o círculo cromático pode ser utilizado para auxiliar o profissional da área, escolhendo cores análogas ou complementares àquela escolhida pelo cliente, para harmonizar o espaço”.

Além disso, de acordo com as profissionais Andrea Coelho e Karina Barakat, é essencial considerar o contexto e a personalidade do cliente ao planejar uma composição. Ao projetar um espaço que será ocupado por longos períodos de tempo é importante ter em mente a iluminação natural do espaço, as demandas de quem o utilizará, a personalidade e os gostos, os itens que podem ser trocados com facilidade e os que precisam de reforma para deixar de fazer parte do ambiente, além dos itens de mobiliário. As cores estarão relacionadas a todos esses elementos e, por isso, as escolhas das paletas de cores devem ser feitas com auxílio profissional e de forma estratégica.

Karina Barakat afirma: “Temos uma capacidade enorme de adaptação do círculo cromático para cada personalidade. Cabe a nós, designer de interiores, justamente atuar como essa ferramenta de mapeamento entre o cliente e o resultado final. Temos muitas ferramentas legais para testar atualmente, mas essa essência empírica de sentir o que o cliente quer e trazer isso na cor, não tem programa nenhum que faz, é da expertise do profissional mesmo”.

A cor do ano

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Como em todos os ramos de trabalho que levam em consideração a estética, a arquitetura e o design de interiores também estão sujeitos às tendências. Anualmente, fábricas de tinta e corporações como a Pantone lançam a cor do ano. Trata-se de uma cor que, de acordo com as previsões dessas empresas, será moda no ano seguinte. De acordo com a arquiteta, Andrea Coelho Pinto, não é incomum que os clientes conheçam as cores do ano e procurem trazê-las para os espaços projetados.

Nesse sentido, o uso do círculo cromático também pode ser um grande auxílio, pois ajuda a encontrar cores análogas e complementares que casem bem com o que está em voga. A cor do ano Pantone para 2020 é o Classic Blue 19-4052 e, de acordo com o site pantone.com.br trata-se de uma cor que busca “inspirar calma, confiança e conectividade, este azul resiliente aumenta nossa aspiração por uma base sólida e estável sobre a qual construir, ao entrar no limiar de uma nova era”.

Nota-se, inclusive, que muitas das marcas que já lançaram cores do ano em 2020 buscaram trazer uma mensagem mais otimista junto de suas escolhas, levando em consideração o momento atual de pandemia. Andrea Coelho Pinto percebe que, as cores que serão tendência em 2021 apresentam mensagens positivas, de conforto e de enxergar uma luz no fim do túnel atreladas a elas.