CASACOR Rio inaugura calendário oficial de mostras brasileiras

Fábio Gomides
20 min de leitura
O casarão no Jardim Botânico

 MOSTRAS

Abrindo oficialmente o calendário nacional de mostras do setor, a realização da CASACOR RIO é o primeira grande iniciativa do mercado desde o início da pandemia no Brasil. Por conta do isolamento, a casa ganhou novas configurações e passou a ser o centro das nossas atenções e o refúgio durante este período tão conturbado da história. Mas também trouxe reflexões profundas e mudanças definitivas para o nosso jeito de morar. E a programação da CASACOR Rio, que comemora sua 30ª edição, sob o comando das competentes Patrícia Quentel e Patricia Mayer, vem materializar todas essas questões que impactam diretamente em nossos estilos de vida, incluindo na configuração das nossas casas e a forma como nos relacionamos com ela e com o mundo. Nesta edição, o público terá a oportunidade de visitar ao todo 38 ambientes(23 dentro instalados dentro do palacete e mais 15 nas áreas externas). É interessante observar como cada região do país possui uma identidade própria na hora de decorar. Talvez esse jeito descontraído do carioca seja o que  melhor traduz essa casa multiuso, sem afetações, que pode e deve se transformar em várias, como presenciamos neste período de isolamento. Nesse sentido, a CASACOR Rio sai na frente ao demonstrar que o despojamento carioca é uma marca que pode ser aproveitada com sucesso tanto no Brasil como no exterior.

O local

O grande destaque desta edição é certamente o belíssimo imóvel escolhido para sediar a mostra, que merece um capítulo à parte nesta cobertura: o casarão, no Jardim Botânico, construído em 1860 pela família Faro, formada por importantes cafeicultores. Anos mais tarde, foi residência do médico sanitarista Oswaldo Cruz. Em 1960, a propriedade foi adquirida pelo casal Jorge Brando Barbosa e sua esposa Odaléa Brando, que promoveram uma grande reforma e ampliação do imóvel original, dando origem a um palacete com 2.500 metros quadrados cercados de belos jardins. A área total do imóvel é de 12.000 metros quadrados e ocupa um quarteirão inteiro do bairro. De acordo com a biografia do casal, a casa foi construída com o objetivo de ser a última morada dos dois. E justamente por isso, fizeram questão de fazer dessa reforma a realização de um grande sonho. Além de banqueiro, Jorge era arquiteto por formação e cuidou pessoalmente de todos os detalhes e também da decoração que inclui uma infinidade de peças de mobiliário, arcos, adornos, portais, além de muitas obras de arte já que o casal era formado por dois grandes admiradores e colecionadores. Entre os itens que podem ser conferidos durante a visita pelo imóvel está uma banheira esculpida em mármore, que pertenceu à Imperatriz Teresa Cristina, esposa de Dom Pedro II. Tudo isso cercado pela natureza estonteante da região do Jardim Botânico, incluindo a vista para o Cristo Redentor, um dos ícones da capital carioca. O casal viveu no imóvel por mais de 40 anos. Lá, receberam diversos políticos brasileiros importantes como Juscelino Kubitschek, além de chefes de estado de vários países durante visitas ao Rio, além de diversos artistas consagrados. Odaléa era considerada uma excelente anfitriã e fazia grandes recepções em sua casa, que é cercada de boas histórias.

Fotos: Gustavo Cegalla

O grande desafio desta edição foi conciliar o formato da mostra com os tempos atuais. Por se tratar do primeiro evento do ano no segmento, a CASACOR Rio traz consigo a responsabilidade de demonstrar a viabilidade e a segurança de iniciativas como esta, preservando a saúde dos participantes e também dos visitantes. Uma série de protocolos teve que ser implementada. A primeira medida é que a mostra acontece em formato híbrido, recebendo o público tanto presencialmente quanto virtualmente já que é possível fazer uma visita 3D a todos os 38 ambientes desta edição. Todas as visitas presenciais devem ser agendadas previamente uma vez que há um controle rígido de circulação de pessoas pelos ambientes. Mas em contrapartida, o palacete conta com muitas áreas abertas, amplos janelões e portas que vão do chão ao teto, contribuindo para ampliar a circulação do ar de forma muito eficiente. É possível transitar tranquilamente pela mostra sentindo aquele ventinho carioca passando por todos os espaços.  Antes de entrar, todas as pessoas passam por um equipamento que afere a temperatura e só permite o acesso caso a pessoa não apresente nenhuma anormalidade, esteja utilizando máscara. Além disso, todos os ambientes possuem álcool em gel.

Cuidado

Levando-se em consideração o momento em que vivemos e também o local escolhido para abrigar a edição comemorativa aos 30 anos da CASACOR Rio, podemos perceber que os grandes destaques em relação ao conceito aparecem na mistura do clássico com contemporâneo, que se descortina sob a mais bela perfeição graças ao trabalho de um time formado por 57 profissionais, entre veteranos e estreantes. A harmonia é a palavra de ordem em todos os projetos. Mesmo aqueles com pegadas mais contemporâneas como estão conectados de forma muito consciente e respeitosa com a arquitetura do imóvel.

Destaques

Foto: André Nazareth
Foto: Gustavo Cegalla

O Hall de Entrada, de Rodrigo Jorge Studio já nos dá ideia da suntuosidade do palacete. À primeira vista, uma portentosa escada toda em jacarandá, cheia de adornos. No projeto, a predominância é do estilo clássico com paredes escuras e o teto dourado. Chama a atenção a curadoria das obras de arte, que inclui originais de Portinari, Pablo Picasso, além do contemporâneo Franz Krajcberg. A icônica poltrona Fardos, de Ricardo Fasanello, deixa claro que o hall não é um espaço para passagem, mas sim de acolhimento e contemplação.

Foto: André Nazareth

Para o Living  Mutante, de Gisele Taranto optou por criar um espaço que exemplifica de forma muito inteligente como um ambiente pode ser transformado de acordo com o uso e com a mudança dos elementos que o compõe. Neste caso, são as obras de arte que determinam essas mudanças periódicas. As únicas peças pensadas para estarem de forma permanente são os móveis assinados por designers considerados ícones do modernismo como Lina Bo Bardi, Sérgio Rodrigues e Oscar Niemeyer.

Foto: André Nazareth

A Sala do Piano, de Luiz Fernando Grabowsky é mais um espaço que trabalha com maestria essa relação do antigo com o contemporâneo. O mobiliário faz uma espécie de passeio por diferentes épocas, deixando claro que elas se comunicam muito bem entre si. Entre os destaques, uma grande cômoda D. José do século XIX, localizada estrategicamente ao lado do piano, ambos do acervo original do palacete. A peça estabelece um potente diálogo com uma estante ultra moderna de Jader Almeida, recheada de adornos e objetos de época e dos tempos atuais, além de peças de Zalszupin e garimpos de antiquários.

Foto: André Nazareth

A Pequena Sala de Estudos, de Lia Siqueira e filhos (Felipe e Betina Siqueira) revisita um projeto criado por ela para a primeira CASACOR Rio, em 1991. Na época, o ambiente que recebeu o mesmo nome que tem hoje e chegou a ser premiado pelo concurso anual do Instituto dos Arquitetos do Brasil, o IAB. Com muita luz natural (presença constante nos projetos de Lia), o espaço conta com 7 janelas muito amplas, vista para o jardim e um pé-direito de 5 metros de altura. O destaque fica por conta do mobiliário em madeira, todo desenhado pela arquiteta. 

Foto: André Nazareth
Foto: Gustavo Cegalla

Entre os espaços que mais chamam atenção está a Sala de Banho Deca, assinada por Beto Figueiredo e Luiz Eduardo Almeida, um projeto digno de prêmios. Exaltando todo o luxo da época, a proposta da dupla para o banho principal do palacete reúne sofisticação com uma pegada bem moderna e descontraída. Uma ilha central abriga uma grande cuba circular, instalada em torno de uma jabuticabeira. Acima da banheira toda esculpida em mármore – que pertenceu à Imperatriz Teresa Cristina – uma intervenção artística nos convida a brincar com os registros de água, que neste caso, estão lá para dosar as quantidades desejadas de Equilíbrio, Resiliência, Calma, Confiança, Paciência, Empatia, Autonomia, Esperança e Vacina. Tudo que precisamos para enfrentar os tempos atuais.

Fotos: Gustavo Cegalla

A cozinha certamente irá encher os olhos do visitante. Coube à Anna Malta e Andréa Duarte destacar este ambiente com dimensões muito generosas(80m2), que chama atenção pelos elementos originais da casa como o fogão e a geladeira, que ainda funcionam perfeitamente, além de uma série de objetos dispostos no ambiente. O ambiente ainda conta com um estar e uma mesa para refeições. Os armários suspensos, provavelmente em jacarandá, receberam uma pintura em tom azul fosco e as bancadas foram recobertas com mármore, mas ainda é possível ver o original. A azulejaria portuguesa que recobre toda a cozinha é um show à parte. Abrindo uma das portas dos armários originais, ainda é possível ver a lista com todos os ramais telefônicos da casa (e não eram poucos!).  

Fotos: Gustavo Cegalla

O lavabo e Galeria do Estúdio Manu+Ca, de Manu Cardim e Catarina Gouvêa deixa claro que mix & mach é muito mais uma tendência. Neste projeto é possível perceber todos os detalhes arquitetônicos originais da casa como o magnífico teto desenhado no hall, que merece um registro à parte, além da azulejaria portuguesa presente no lavabo, que fazem companhia a elementos extremamente contemporâneos como o mobiliário construído para acompanhar a cuba, que remete ao muxarabi, metais rosé gold (no lugar do clássico dourado presente em outros ambientes da casa) e um oratório assinado por Dado Castello Branco.

Fotos: André Nazareth

Outro ambiente que merece destaque é a Sala de Almoço e Varanda, assinada pelo veterano Chicô Gouvêa. Ele, que é dono de um olhar muito peculiar e se revela uma pessoa extremante focada nos detalhes, já coleciona 16 participações na mostra carioca. O que mais chama atenção no projeto dele é a intervenção que Chicô fez no suntuoso lustre de prata, original da casa, que ganhou um aro oxidado, uma espécie de auréola, resultando num toque muito especial. Em seguida, a conjunção das obras de arte com as peças de mobiliário desenhadas por ele juntamente com as cadeiras de Sérgio Rodrigues e as louças artísticas da companhia portuguesa  Bordallo Pinheiro.

Foto: André Nazareth

Avançando pela casa, a Biblioteca de Andréa Chicharo, preserva boa parte da estrutura original do ambiente, que já possuía esta função. A intervenção da arquiteta aparece de forma mais evidente nas estantes, que foram modernizadas, recebendo nichos em tom de cobre.

Fotos: André Nazareth

Na Suíte de Hóspedes, o que encanta todos os visitantes é o papel de parede acima das camas minimalistas, que retrata as cores da água. A Varanda do Casal, de Anna Luiza Rothier é puro charme! Um local que pode funcionar como espaço privativo ou até mesmo para receber convidados. A proposta de montar uma espécie de living a céu aberto funcionou bastante e deixou o ambiente bem convidativo.

Fotos: André Nazareth

A poesia aparece nos jardins, com o projeto No Balanço das Águas, de Bel Lobo e Mariana Travassos, um convite à contemplação da natureza. A instalação, que está localizada na parte de fora, no caminho entre a casa e os ambientes externos, convida o visitante a lavar a mãos e experimentar os balanços. Ao balançar, é possível escutar o movimento das águas, que ora se revelam com mais intensidade à medida em que se aumenta a velocidade do balançar.

Fotos: André Nazareth

Outro ambiente que ressalta as delicadezas é o Pergolando, de Victor Niskier. O jovem assumiu o desafio de criar dois ambientes distintos: um destinado à entrada e outro para a saída do público. Apesar de não possuir nenhuma comunicação física, os dois ambientes possuem uma conexão estética muito similar e a surpresa é que na saída, somos surpreendidos com uma espécie de longe criado para apresentar uma bela homenagem aos últimos proprietários da casa, apresentando algumas cartas de amor trocadas entre os dois.

Fotos: André Nazareth

O jardim de inverno, assinado pelo arquiteto francês Jean de Just é um show à parte. Extremamente contemporâneo, o espaço criado por ele transpira brasilidade de uma forma muito particular. Construído em um salão onde antes era a sala de jantar do palacete, Jean optou por trabalhar com um espaço de caráter mais multiuso, que possa funcionar como sala de jantar, escritório e sala de estar, que funciona como se fosse uma continuidade dos jardins externos. Nas paredes, um grande jardim vertical estabelece diálogo com um divertido revestimento em pastilhas formando desenhos pixelados de palmeiras tropicais, inspirado nos mosaicos de azulejos portugueses, uma reinterpretação moderna e muito original.

Fotos: André Nazareth

Estreando na mostra carioca, o trio da UP3 Arquitetura Michelle Wilkinson, Thiago Morsh e Cadé Marino já entrou com um projeto bem ousado, que é a Casa UP. Os arquitetos desenvolveram uma construção contemporânea, em estrutura metálica (aquelas construções rápidas e sem resíduos), completamente integrada à natureza, instalada nos jardins do palacete. Logo na entrada, um pequeno lounge com mobiliário de área externa é praticamente um convite à contemplação. O ambiente interno destaca tanto o conforto quanto a funcionalidade, com predominância de materiais naturais e sustentáveis, além das formas orgânicas e a presença constante do minimalismo.

Fotos: Gustavo Cegalla

A mostra ainda conta com diversos ambientes funcionais incluindo café à beira da piscina, bistrô e restaurante, casa de chá, empório-bar, além de diversas lojas e espaços contemplativos. Todos assinados por profissionais das áreas de arquitetura, design de interiores e paisagismo. Se puder, não perca a oportunidade de conferir tudo pessoalmente desta edição histórica da mostra carioca!

30ª CASACOR Rio

Até 25 de abril de 2021

Endereço: Rua Lopes Quintas, 497 – Jardim Botânico

Ingressos: de R$40 a 80

Visitação: de terça a sábado – das 12h às 20h/ domingo e feriados – das 10h às 20h

Informações completas e tour virtual no site: